Uma multidão entoa com Roberto Carlos que é “Preciso saber viver”,
com o Titãs não é diferente: a música Epitáfio, feito pelo compositor
Sérgio Britto convoca uma legião de fãs da banda a trovar
as palavras que soam como um mantra de como viver melhor. Nesta música, o eu-lírico lamenta-se por não ter aproveitado
a vida, de ter se importado demasiadamente com problemas
pequenos e por ter relutado tanto em aceitar
algumas pessoas e situações.
No mesmo sentido de Epitáfio, há inúmeras outras poesias que são versos
de lamentações e arrependimentos por não terem
feito tudo que queriam. Há uma famosa do Mário Quintana,
denominada “Seiscentos e sessenta e seis”, na qual a voz do poema inicia
falando sobre como o tempo passa rápido, já que de repente
são seis horas, sexta-feira, natal, fim de ano... o poema, então,
é finalizado com inúmeras queixas de como o tempo poderia ter
sido melhor aproveitado ou de como foi errado deixar
um grande amor escapar.
Mas não são só os poetas, os escritores e músicos que falam sobre o “viver bem”. Nas madrugadas
com amigos, em uma roda de bar, no almoço de domingo com a
família, todo mundo sempre tem uma filosofia de vida pra contar.
A mais comum é o famoso “pensamento positivo”. Sempre tem aquele que afirma
que pensar positivamente, dizer coisas boas atrai boas coisas pra
vida, e que o inverso também é verdadeiro. Estórias
pessoais que buscam comprovar essa teoria mística são o que não falta. Sempre
tem aquele “reclamão” que se irrita por qualquer
coisa e que no final do conto - afirmam os contadores - sempre
se dão mal. E há também relatos pessoais de pessoas que sempre se
dão bem na vida... a fórmula mágica disso? Pensar em coisas boas.
Não dúvido, pois já observava Hamlet a Horácio de que há mais
cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia.
Mas há de se fazer uma ressalva nisso: inúmeros livros e filmes de auto ajuda tentam vender
a ideia de que sempre pensar positivo é a melhor maneira
de viver. Há um livro e um filme famoso que fala exatamente sobre
isso que se chama “The secret”, como o próprio nome já
diz, o livro e o filme “revelam o maior segredo da
humanidade” para conquistar e ser tudo o que a pessoa pretende
ser e ter, afirmando, categoricamente que pensar
negativamente é algo catastrófico. No entanto, o que me preocupa
nisso é que esse tal de “pensamento positivo” vire uma pressão
psicológica de agir de tal modo e pensar de x maneira,
fazendo que a pessoa negue os seus próprios sentimentos. E isso é
muito grave.
A constatação dessa gravidade não é minha, e sim de Freud. Em “Cinco lições de Psicanálise”, Sigmund, relata
a história de alguns de seus pacientes que sofreram grandes
problemas, mas que ao invés de aceitarem os seus sentimentos, o
sofrimento e a dor em uma perspectiva de superação,
simplesmente negavam-se, dizendo que estava tudo bem. Um desses casos é de um
paciente que enterrou o pai, mas que após o ocorrido
se fingia de forte e feliz. Mas na verdade, ele não estava feliz,
e sim reprimindo e negando as suas próprias
sensações. O luto não é um sentimento fácil, é doloroso, é difícil. E
então, depois de algum tempo, o jovem adquiriu algumas neuroses
por ter reprimido a sete chaves suas dores
existenciais. É válido as pessoas tentarem ver o lado bom da
vida, ou então ultrapassar algum problema, aceitando-o em uma
perspectiva de superação. Mas negar os percalços e
os sentimentos mais inerentes do ser humano como raiva,
inveja, ódio, ira, tristeza, melancolia, vingança, com certeza,
não é uma boa alternativa.
Na mesma perspectiva, uma das correntes
do budismo, o tibetano, possui uma filosofia de vida muito interessante
sobre o sofrimento. Dalai Lama, o líder religioso
da escola Gelug e reconhecido por todas as escolas do budismo tibetano,
em seus livros sobre a sua religião, comenta como os seguidores
do budismo são incentivados a aceitar o sofrimento, ao invés de
negá-los. Interessante se faz reafirmar isso, pois
diferentemente do que tanto se prega em a “obrigatoriedade
da felicidade” no mundo ocidental, no oriente em linhas gerais
(claro, há sempre casos específicos) as pessoas parecem
estar mais dispostas a aceitar o sofrimento. Por
exemplo, em várias culturas orientais o ancião mora-se
dentro da casa, e não é abarrotado em asilos, longe da
família. E então, no oriente, desde novos, as crianças são
incentivadas perceberem certas dores como a
fugacidade da vida, a doença, as limitações físicas que em algum momento ou outro
chega para todos, o falecimento da beleza jovial, a morte.
O inconsciente que nos visita durante os sonhos sendo, segundo o pai da Psicanálise, o desejo reprimido
extravasado, pode ser uma alternativa para entender
melhor a nossa própria consciência. Lidar com um
batalhão de sentimentos e com pesares da vida não é fácil. Mas talvez
seja uma grande chave para abrir a porta do
conhecimento de como funciona a mente humana. É de Freud a famosa frase
que diz que “é preciso amar para não adoecer”. E é
o que o Dr. Marco Aurélio Dias da Silva, com o título de “Quem
ama não adoece: o papel das emoções na prevenção e cura das
doenças” relata ao investigar os motivos das doenças de seus
pacientes. Em sua pesquisa empírica fica evidenciado como algumas enfermidades
podem estar claramente associadas com algum problema mal resolvido
na mente.
Id. Ego. Superego. Consciência. Inconsciência.
Subconsciência. Mente. Alma. Pensamento. Energia. Universo. Eis
alguns dos mistérios da vida, do homem, das ciências, das religiões.
Há muitos mistérios sem solução. Mas como já dizia uma propaganda
do canal Futura, não são as respostas que movem o mundo, e sim as
perguntas.
Fernanda Marcondes
Parabéns Fernanda !!! está escrevendo muito bem.
ResponderExcluirVejo que a tal "ditadura da felicidade",cada vez mais persistente no ideário ocidental, é decorrente do tradicionalismo cristão-judaico, que em seu sistema metafísico posiciona o homem como sendo exterior a natureza. Dessa concepção nascem as idealizações de que ao homem cabe o dever de suprimir seus impulsos naturais como tristeza, egoísmo e desejo por sexo.
A vida por si só é ontologicamente fraca e os grandes mistérios do universo parecem transcender nossa materialidade, no entanto parece contraproducente para nosso bem estar certas dogmatizações e se libertar destes é o primeiro passo em direção ao conhecimento e plenitude de nossa humanidade.
Parabéns pelo blog.