Dentro do mundo jurídico existe uma espécie inquietante de Doutor(a): os(as) donos(as) das leis e do conhecimento. Esses ditos doutores atuam em dois âmbitos distintos: dentro da academia ou dentro dos órgãos públicos e privados do mundo jurídico.
O primeiro desses doutores atuam na academia, ocupando o locus da Universidade, fizeram pós-graduação, mestrado, doutorado e, muitos deles, até lecionam na Universidade. O mais irônico disso tudo, é que muitos deles recebem a denominação de "professor" ou "professora", sem nem se preocuparem em exercer essa maravilhosa profissão ou sem nem se preocuparem em vivenciar e construir, de fato, o ambiente universitário. Aliás, muitos deles atuam na Universidade Pública, sem nem se preocuparem em construir uma Universidade, efetivamente, pública, e não estatal ou privada. Perpetuam uma educação bancária e emburrecedora. Reafirmam a (i)lógica produtivista do Currículo Lattes. Rifam a universidade aos interesses das empresas privadas. Constroem conhecimentos ao bel prazer dos próprios interesses.
O segundo tipo de doutor atua dentro dos órgãos públicos, como os Ministérios Públicos, as Defensorias Públicas, Tribunais de Justiça, Justiça Federal, dentre outros. Mas também, podem atuar em grandes escritórios e empresas. Esses doutores, muitas vezes, preocupam-se mais com o status que a sua profissão proporciona na sociedade, do que em fazer da sua posição privilegiada uma luta práxica. Ademais, muitos deles acreditam que a sua conta bancária é sinal de algum valor humano. Reproduzem o discurso da divisão social do trabalho, esquecendo que o modo de reprodução da mão-de-obra apenas reafirma a exploração da sociedade capitalista.
Embora, esses doutores atuem em locus diferentes, possuem muitas características em comum. Uma delas é se acharem os detentores do latifúndio do saber. De fato, em uma sociedade como a nossa, o conhecimento e o acesso à uma educação de qualidade é apenas para poucos. O conhecimento é uma forma de poder e instrumento político. No entanto, os ditos doutores, ao invés de reconhecerem a posição de privilégio que se encontram, e ajudarem a difundir um conhecimento popular, fazem o contrário. Isto é, não usam de suas posições de privilégio como um meio de luta e transformação social, apenas se gabam por possuir o seu cargo, o seu diploma, o seu título, o seu conhecimento, o seu status social, a sua posição financeira.
Pois é, os Doutores da Lei têm essa mania chata e egocêntrica em ver um fim em si mesmo na sua profissão. Acham que o Direito se esgota em suas titulações. Não vislumbram uma luta transformadora e nem possuem uma alteridade com o Outro.
Mas calma... não é só de Doutores da Lei que é formado os espaços jurídicos. Há uma luz, ainda que intermitente, de construtores e militantes do Direito. Esses são poucos, mas são resistentes. Resistem diante de um paradigma tecno-positivista. Resistem diante de uma racionalidade formal. Resistem diante de um árido deserto de individualismo. Resistem diante do avanço do conservadorismo e do arrefecimento do neoliberalismo. Resistem, até do ponto de vista, da (des)construção pessoal, usando do seu posicionamento de modo humilde e coletivo. Nem sempre você vai encontrar um desses no seu dia-a-dia. Pode ser, que durante tempos, você os fique procurando. Mas eles estão nas principais trincheiras. Estão lutando pela alteridade, diante da indiferença. Estão lutando pela emancipação, diante da alienação. Estão lutando ao lado dos movimentos sociais e dos excluídos. Estão lutando por Direitos e Justiça, mas não por quaisquer Direitos e Justiça, e sim por um direito pedestre, e por uma justiça emancipadora.
São esses construtores e militantes do Direito que nos inspiram, que nos motivam na luta. São essas pessoas que nos fazem acreditar, mesmo diante de um quadro estrutural nacional de retrocessos de direitos, mesmo diante dos valores fundantes da sociedade individualista neoliberal, mesmo diante das piores injustiças reinantes. São essas pessoas que nos proporcionam um pouco mais de esperança, coragem e entusiamo, para seguirmos firmes e frentes na realização de utopias coletivas.
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