É com esse incômodo, então, que a imagem me fez refletir o quanto a literatura e o conhecimento acadêmico são predominantemente protagonizados por homens. E na minha condição de mulher preocupada em criticar a realidade vigente e engajada por lutar por outros direitos em uma práxis transformadora da sociedade em que há uma grande ironia nisso tudo. É irônico pois eu e tantas outras mulheres ao nos engajarmos em tecer um olhar contra hegemônico da sociedade, acabamos reproduzindo o pensamento e o conhecimento androcêntrico. É por conta da reprodução de certas teorias formalizadas por homens que ao longo da história as mulheres tiveram a sua atuação abafada por versões que se preocuparam em ressaltar apenas o protagonismo masculino.
Nesse sentido, relembro a Filosofia da Libertação de Enrique Dussel. A teoria traz a alteridade em uma perspectiva de superação de práxis dominadora para uma práxis transformadora da realidade. Busca-se que Outro seja visto como distinto e não diferente, que seja enxergado como plural, e não anulado em um contexto de totalidade. No entanto, quando o filósofo argentino traz esses elementos é sempre de modo masculino, é sempre o "homem latino americano", nunca a mulher latinoamericana e nem a pessoa latinoamericana que precisa ser libertado e vivenciar um contexto de exterioridade. Ou seja, em uma teoria crítica, latino americana, progressista encontramos o olhar androcêntrico negando o papel do sexo feminino. Além disso, difícil encontrar obras de pensamento descolonial ou teorias críticas latino americanas que tenham sido produzidas por mulheres, e por isso mesmo, o desenvolvimento de um olhar sob a mulheres é marginalizado.
No âmbito da criminologia encontramos a mesma situação. Há muitas polêmicas envolvendo o início da criminologia, assim muito estudiosos ignoram o período medieval, afirmando que a criminologia se iniciou com os clássicos liberais marcado pela obra de Beccaria. No entanto, excluem o livro "Martelo das Feiticeiras" do período medieval, o qual é um grande marco para se entender há quantos séculos a mulher é renegada pela sociedade androcêntrica. Esse primeiro ensaio criminológico justifica o poder punitivo do estado em matar mulheres consideradas bruxas no contexto da Inquisição. A obra afirma que as mulheres possuem pouca fé, fraquezas físicas e mentais, além de serem perversas e maliciosas.
Além do que, o desenrolar das escolas criminológicas se deu sempre pautado por autores homens em uma visão androcêntrica. As escolas criminológicas mais críticas, por exemplo, questionavam o papel seletivo do sistema penal e afirmavam que é preciso transformar o sistema sócio-econômico vigente para que haja uma redução na criminalidade, e não afirmar que o problema é patológico e individual do criminoso como afirmava a Escola Positivista. No entanto, até mesmo a criminologia crítica deixava o olhar sob a mulher em escanteio. Para romper com esse paradigma, vem emergindo uma teoria criminológica crítica feminista, no qual coloca os problemas de gênero contextualizados em um sistema patriarcal e machista. Assim, a violência contra a mulher não é simplesmente uma mera lesão ou uma mera calúnia, e sim um problema cultural e estrutural que deve ser repensando e transformado.
Ou seja, mesmo dentro de uma teoria da libertação latino-americana ou de uma teoria criminológica crítica é preciso que as mulheres desconstruam paradigmas e que lutem para que suas vozes não sejam anuladas, e sim ouvidas, escritas e lidas. Não é atoa, que Simone de Beauvoir em uma perspectiva existencialista nos fala que historicamente a mulher teve sua existencialidade anulada, negada, suprimida. As mulheres foram colocadas como Outro perante os homens, em um contexto que não há reciprocidade de relação, de existência. O Outro no contexto do existencialismo é sujeitado como inssencial.
Assim no âmbito acadêmico urge darmos autoria as nossas versões sobre teorias contra-hegemônicas e lutarmos na construção de novos paradigmas, protagonizando discussões, debates, pesquisas, produções sobre o papel da mulher em diversos contextos históricos sociais. No entanto os desafios de se mulher possuem desdobramentos em diversos outros âmbitos. Temos que superar paradigmas no mundo do trabalho, no ambiente doméstico e familiar, nos espaços coletivos, na política, na universidade, na escola, nas instituições religiosas e até mesmo nas questões amorosas e sexuais. Por isso a nossa luta é incessante e diária; iniciada em todo café da manhã em casa; andando conosco nos vagões de metrôs, nos ônibus espremidos de gente e nas ruas desertas de humanidade; acompanhando-nos nos compromissos profissionais e acadêmicos; indo em espaços de lazer como baladas e bares composto por mentes tão machistas. Por isso, os nossos desafios até podem ser muitos, mas nós unidas também o somos.
Nesse sentido, relembro a Filosofia da Libertação de Enrique Dussel. A teoria traz a alteridade em uma perspectiva de superação de práxis dominadora para uma práxis transformadora da realidade. Busca-se que Outro seja visto como distinto e não diferente, que seja enxergado como plural, e não anulado em um contexto de totalidade. No entanto, quando o filósofo argentino traz esses elementos é sempre de modo masculino, é sempre o "homem latino americano", nunca a mulher latinoamericana e nem a pessoa latinoamericana que precisa ser libertado e vivenciar um contexto de exterioridade. Ou seja, em uma teoria crítica, latino americana, progressista encontramos o olhar androcêntrico negando o papel do sexo feminino. Além disso, difícil encontrar obras de pensamento descolonial ou teorias críticas latino americanas que tenham sido produzidas por mulheres, e por isso mesmo, o desenvolvimento de um olhar sob a mulheres é marginalizado.
No âmbito da criminologia encontramos a mesma situação. Há muitas polêmicas envolvendo o início da criminologia, assim muito estudiosos ignoram o período medieval, afirmando que a criminologia se iniciou com os clássicos liberais marcado pela obra de Beccaria. No entanto, excluem o livro "Martelo das Feiticeiras" do período medieval, o qual é um grande marco para se entender há quantos séculos a mulher é renegada pela sociedade androcêntrica. Esse primeiro ensaio criminológico justifica o poder punitivo do estado em matar mulheres consideradas bruxas no contexto da Inquisição. A obra afirma que as mulheres possuem pouca fé, fraquezas físicas e mentais, além de serem perversas e maliciosas.
Além do que, o desenrolar das escolas criminológicas se deu sempre pautado por autores homens em uma visão androcêntrica. As escolas criminológicas mais críticas, por exemplo, questionavam o papel seletivo do sistema penal e afirmavam que é preciso transformar o sistema sócio-econômico vigente para que haja uma redução na criminalidade, e não afirmar que o problema é patológico e individual do criminoso como afirmava a Escola Positivista. No entanto, até mesmo a criminologia crítica deixava o olhar sob a mulher em escanteio. Para romper com esse paradigma, vem emergindo uma teoria criminológica crítica feminista, no qual coloca os problemas de gênero contextualizados em um sistema patriarcal e machista. Assim, a violência contra a mulher não é simplesmente uma mera lesão ou uma mera calúnia, e sim um problema cultural e estrutural que deve ser repensando e transformado.
Ou seja, mesmo dentro de uma teoria da libertação latino-americana ou de uma teoria criminológica crítica é preciso que as mulheres desconstruam paradigmas e que lutem para que suas vozes não sejam anuladas, e sim ouvidas, escritas e lidas. Não é atoa, que Simone de Beauvoir em uma perspectiva existencialista nos fala que historicamente a mulher teve sua existencialidade anulada, negada, suprimida. As mulheres foram colocadas como Outro perante os homens, em um contexto que não há reciprocidade de relação, de existência. O Outro no contexto do existencialismo é sujeitado como inssencial.
Assim no âmbito acadêmico urge darmos autoria as nossas versões sobre teorias contra-hegemônicas e lutarmos na construção de novos paradigmas, protagonizando discussões, debates, pesquisas, produções sobre o papel da mulher em diversos contextos históricos sociais. No entanto os desafios de se mulher possuem desdobramentos em diversos outros âmbitos. Temos que superar paradigmas no mundo do trabalho, no ambiente doméstico e familiar, nos espaços coletivos, na política, na universidade, na escola, nas instituições religiosas e até mesmo nas questões amorosas e sexuais. Por isso a nossa luta é incessante e diária; iniciada em todo café da manhã em casa; andando conosco nos vagões de metrôs, nos ônibus espremidos de gente e nas ruas desertas de humanidade; acompanhando-nos nos compromissos profissionais e acadêmicos; indo em espaços de lazer como baladas e bares composto por mentes tão machistas. Por isso, os nossos desafios até podem ser muitos, mas nós unidas também o somos.
Escrevi um texto enorme comentando e não foi! :(((( Ai! Mas vamos lá, vou resumir porque deu preguiça de escrever tudo aquilo de novo. Gostei bastante! Seus textos são críticos e tem um estilo pessoal forte - como sempre mencionar a questão da alteridade. A luta e a resistência da mulher sempre existiu, mesmo que em diferentes graus, como citado por você, em um simples café da manhã de uma família patriarcal. É bom ver que mulheres privilegiadas (reconheço que esses são muito aquém ainda dos de um homem na mesma situação) em relação às suas companheiras podem levar a luta feminina para dentro do debate acadêmico e fomentar a discussão. No entanto, algo me intriga. Para a superação da concepção de um mundo androcêntrico, há a necessidade da luta contínua das mulheres e da mudança de postura dos homens que ocupam esses espaços. É uma relação dialética. Já vi várias críticas de feministas a homens que assim se classificam ou se dizem pró-feminismo, pois eles (ou nós) estariam dando uma aprovação, algo do tipo "o movimento é ok, então eu dou forças", então as críticas vão no sentido de que as mulheres não precisam dessa aprovação e nem de homens feministas, pois sua autonomia basta, a luta é de vocês. Em uma analogia simples, é como checar a efetividade da literatura construída por um homem branco em relação aos índios, pois a partir do momento em que esse homem faz certas classificações e fala pela comunidade indígena, ele estaria, de certa forma, oprimindo, pois não cabe a ele definir quem o outro é. Assim, como ficaria o papel do homem nessa luta junto às mulheres? Era mais ou menos isso que tinha escrito! Beijo!
ResponderExcluirCaro Parkito!!!
ExcluirObrigada sempre pelas leituras e críticas!!
Bom, na verdade eu acredito que é imprescindível que haja homens feministas para compor a luta. No entanto, não acho que o protagonismo da luta pode ser de um homem.
Ou seja, acho que é fundamental que haja homens feministas que debatam, levantam bandeiras de teorias feministas seja em qual ramo do conhecimento. No entanto a autoria tem que ser feminina.
Por exemplo, se formos estudar a mulher no contexto da ditadura militar.... sabemos que esse período era ainda muito mais difícil para uma mulher, justamente pela não aceitação delas em espaços públicos e políticos. As mulheres sofriam torturas das mais dolorosas possíveis que chegavam a ser até estupros e assédios sexuais. Eu, pessoalmente, tenho uma crítica que um homem desenvolva um mestrado nesse tema, justamente por ele não ser do sexo estudado e por uma questão de abstrações de vida não conseguir demonstrar e desmascarar tantas realidades. Além do que, pela falta de autoria feminina, é urgente a nossa entrada nesse nicho que antes era masculino, é importante que expressemos a nossa essência naquela pesquisa.
Acho que é isso.
Beijos